Os homens dispersos

Por BAPTISTA-BASTOS

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Hoje-04/07/2012

Os articulistas que, no estrangeiro, escrevem sobre Portugal não dissimulam a perplexidade causada pela inanição do povo, ante a cega "austeridade." Os termos usados são estes. E a palavra "totalitarismo" começa a circular como definição do neoliberalismo, cuja tendência para se dissimular corresponde a uma estratégia de não-responsabilização individual. Ninguém conhece os rostos de quem manda. Mas não são desconhecidos os serventuários de uma ideologia cujos estragos apenas começam a ser avaliados. Estão nos Governos de quase toda a Europa.

Em Portugal, a política deixou de ser uma actividade de relação. A derrapagem semântica alterou o conceito de democracia. A tentativa de homogenização da sociedade portuguesa é própria dos sistemas totalitários. E não é preciso atribuir as culpas apenas a Estaline: a forma de poder pessoal institucionalizou-se nas "democracias", através de métodos enganadores.

Ouço, com a regularidade possível, os programas de opinião pública das têvês. O vendaval de protestos já não se enquadra, somente, nos partidos políticos. O que pode ser perigoso, como rastilho para acidular acções inorgânicas, com consequências absolutamente imprevisíveis. A lógica do indistinto afirma uma retórica que tende a fazer desaparecer as referências e a pulverizar as normas. Não somos, redutoramente, um "país de costumes brandos e hábitos morigerados", como quis e impôs Salazar, com a censura, a polícia política e sicários estipendiados nos serviços e nos órgãos de comunicação social. Sei do que falo e conheço-lhes os nomes e as indignidades. Ontem como agora. Quando nos revoltamos, a explosão costuma ser violenta e impetuosa. O perturbador é que a nossa actualidade possui semelhanças inquietantes com factos ocorridos.

A opressão "democrática" acentua-se. O Governo já deu sobejas provas de incompetência e de soberba. E, apesar de os resultados das políticas aplicadas asfixiarem a população, o sufoco aumenta: tanto Passos Coelho como Vítor Gaspar ameaçam, não tão veladamente, que a "austeridade" vai continuar sob outras configurações. Tudo isto deixou de ser uma vergonha para se transformar numa ignomínia. A questão dos enfermeiros é significativa.

Em que momento um indivíduo se transforma em cidadão? Quando a sua personalidade estabelece relações com a política, e na política actua, a transforma e a molda segundo as urgências e as necessidades da comunidade. O interregno trágico em que vivemos pode causar perplexidade no estrangeiro e em muitos de nós; porém, não passa de isso mesmo: interregno.

 

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O direito à desobediência

por Baptista Bastos02 Maio 2012

A mentira e a ambiguidade adquiriam novas expressões, uma das quais, a "hipótese de trabalho", colocada anteontem em circulação pelo encantador ministro Vítor Gaspar. Esta "hipótese de trabalho" permite todas as variações semânticas, e oculta a desorientação geral de um Governo de medíocres. Não digo nada de novo. E só agora, embora as provas sejam exuberantes e anteriores, tímidos editoriais e comedidos articulistas alinham uns adjectivos enviesados a fim de garantirem, aos seus autores, o investimento futuro. "Eu avisei!" Não avisaram coisa alguma: seguiram o canto das sereias. O despudor é endémico e alcançou, transversal, a sociedade portuguesa.

Temos vivido sob esta música. O temor reverencial embrulha-se nas trapaças com que nos enredam. A reposição dos dinheiros que nos subtraíram, nos subsídios de férias e de Natal, e nos vencimentos da Função Pública, tem passado, no discurso do Governo, de ano para ano, e já vamos em 2018, na última versão oficial. As fraudes morais, que se tornaram, nas duas últimas décadas, em desportos particularmente requintados, atingiram, com Passos Coelho e seu grupo, patamares desaforados.

Não sabemos como sair desta aventura pavorosa, na qual os vencedores não passam de pistoleiros mentais. Falam-nos como se fôssemos matóides e animam essa vasta murmuração que considera a política uma estrebaria e os políticos um sinédrio de malandros. Pedro Passos Coelho ganhou a simpatia de muita gente como paladino da "transparência" e da "verdade". Acentuou, com a voz treinada e uma simpatia de subúrbio, a dubiedade de carácter de José Sócrates. Afinal...

Como assinalou um amigo meu, está a imitá-lo em grande, e veste-se pior. A protegê-lo e a apoiá-lo, pelo silêncio e pela lacuna, lá está o dr. Cavaco. Em condições normais, com um Presidente rigoroso e elevado, Passos já teria sido demitido. Mentir assim é o excesso dos excessos. Mas o dr. Cavaco é o dr. Cavaco que há. E a tenaz ideológica que nos esmaga tem, nele, a analogia perfeita. Adicione-se-lhe a ausência de coragem, o possidonismo intelectual, e a interpretação de infantário que faz das suas funções e ficamos com a dimensão do senhor.

O sonho de Sá Carneiro, um Governo, uma maioria, um Presidente, se oferecia um conteúdo compacto de governação, é, na prática, um pesadelo. As vastas indecisões, as reviravoltas inescrupulosas, a ausência de humanidade inscrevem-se no mesmo fenómeno específico de soberba e negligência que, na Europa, amolga as democracias e martiriza as pessoas.

              

O MAIOR DOS LADRÕES É O QUE SE DEIXA ROUBAR A SI E AOS SEUS....


 

JÁ NÃO EXISTE HOMEM E OU MULHER INTELIGENTE QUE SE CALE! DE QUE ESTAIS VÓS À ESPERA?